Uma geografia das desigualdades brasileiras

16/08/2024

Por Emanuelle Pires

Graduanda em Bacharelado Interdisciplinar em Humanidades pela Universidade Federal do Sul da Bahia. Membro do Grupo de Pesquisa - Educação, Saúde e Desigualdades Sociais (UFSB/CNPQ) e bolsista PIBIC pelo CNPQ, via UFSB.

São chamados de indigentes pela sociedade

A maioria negros, já não é segredo, nem novidade

Vivem como ratos jogados,

homens, mulheres, crianças,

Vítimas de uma ingrata herança

A esperança é a primeira que morre

E sobrevive a cada dia a certeza da eterna miséria

O que se espera de um país decadente

onde o sistema é duro, cruel, intransigente

(RACIONAIS MC'S, Beco Sem Saída)


Discutir sobre as desigualdades brasileiras requer sensibilidade e conhecimento em relação à temática por se tratar de um tema complexo e multifacetado, no qual possui em sua dimensão, problemas enraizados historicamente e que resultam em condições de vida e de oportunidades desiguais para diferentes segmentos da população. Em concomitância ao contexto das desigualdades, surgem os cenários das violências, das vulnerabilidades e das formas de exclusão, que perpetuam desigualdades já existentes (Faria, Castro Santos, Alvarez, 2023).

No Brasil, entre os anos de 2020 e 2023 foram registradas as maiores taxas de feminicídios desde 2015, quando esse crime foi tipificado no país, em função, entre outros fatores, da ausência de políticas públicas voltadas ao combate às violências. As mulheres negras são as principais vítimas e representam cerca de 67% dos casos notificados (Cepal, 2021a, Bueno et. al., 2024).

A questão socioeconômica demonstra um fator determinante das desigualdades e das violências no Brasil, uma vez que colabora para caracterizar a exclusão social, racial e de gênero (OXFAM Brasil, 2021, 2024). Há décadas é um tema crucial para a Saúde Pública no país devido à sua magnitude e gravidade, pois afeta especialmente os grupos socialmente vulneráveis e tem um impacto significativo na saúde individual e coletiva.

Cabe destacar que a correlação entre vulnerabilidade socioeconômica e a interseção de fatores como racismo, sexismo e diferença de renda contribuem para maiores taxas de violências entre pobres, pretos, afrodescendentes, indígenas e quilombolas. Estudos demonstram que essas populações apresentam os piores indicadores sociais, os menores níveis de escolaridade e de renda, o menor acesso à saúde e vivem em condições mais precárias de moradia (Barata, 2009; Silva, 2019; Faria, Castro Santos, 2020; Faria, Castro Santos, Alvarez, 2022).

O racismo, com suas múltiplas determinações, impacta diretamente no processo de exclusão da população negra, sendo imprescindível ater-se aos elementos que resultam deste processo, a exemplo das violências.

As violências sempre existiram em todos os ambientes. Acabar com as violências é uma utopia porque são sintomas de sociedades que estão em transformação. Contudo, são conhecidas alternativas para sua diminuição contando com o apoio das comunidades, famílias, profissionais de saúde, poder público e da escola.

É urgente refletir sobre o contexto no qual as violências podem se desenvolver e os desafios relacionados às questões das políticas públicas direcionadas à prevenção e ao enfrentamento. Todas essas questões se intensificam com maior prevalência entre as populações indígenas, quilombolas, ribeirinhas, e especialmente, entre populações pretas e pobres nos territórios de favela e nas periferias das grandes cidades (Fórum, 2022).

Diante da problemática, pesquisas estão sendo desenvolvidas no OBSERVA Violências, Educação e Saúde do Laboratório de Práticas com a finalidade de levantar dados sobre violências em diversos sistemas de informação e de expandir o acesso a esses dados, além de possibilitar um enfoque integrado junto aos profissionais da saúde para o enfrentamento a violência e mitigar seus efeitos sobre essas populações mais vulnerabilizadas.

O novo projeto PVC1359-2024 - Atenção Primária é fundamental na identificação das situações de violências nos territórios foi aprovado com bolsa de Iniciação Científica, financiado pela FAPESB - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia -, e tem como objetivo promover novas metodologias e tecnologias de enfrentamento às diferentes formas de violências, com recortes de gênero, raça e etnia, a partir do levantamento de dados entre os anos 2018 a 2024, com ênfase às tipologias estabelecidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

O plano de trabalho pretende propor também conteúdos sobre violências para distribuição nas escolas do município de Porto Seguro, uma vez que a escola é espaço fundamental para rever o olhar da sociedade sobre o tema e rediscutir estereótipos que ainda contribuem para mortes por feminicídio e homofobia, entre outros tipos de violências.

Os estados considerados os mais violentos do país – Bahia, Rio de Janeiro, Ceará, Pernambuco e São Paulo -, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023, também serão pesquisados. Estes estados registraram nos últimos anos taxas de mortes violentas acima da média nacional.

O projeto buscará proporcionar uma formação contextualizada, que leve em conta as dimensões sociais, econômicas e culturais dos temas discutidos, para que a bolsista de Iniciação Científica desenvolva competências para pesquisa e intervenção comprometida com o enfrentamento dos problemas sociais locais e regionais.


Referências

ANUÁRIO BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA 2023. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ano 17, 2023. ISSN 1983-7364. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2023/07/anuario-2023.pdf.

BARATA, Rita. Como e por que as desigualdades sociais fazem mal à saúde. [online]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2009.

BUENO, Samira. et al. Feminicídios em 2023. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2024. Disponível em: https://apidspace.universilab.com.br/server/api/core/bitstreams/eca3a94f-2981-488c-af29-572a73c8a9bf/content.

CEPAL, Comisión Económica para América Latina y el Caribe. O paradoxo da recuperação na América Latina e no Caribe: crescimento com persistentes problemas estruturais: desigualdade, pobreza, pouco investimento e baixa produtividade. Santiago: Cepal, 2021. Disponível em: https://www.cepal.org/sites/default/files/publication/files/47043/S2100379_es.pdf.

FARIA, Lina; SANTOS, Luiz Antônio de Castro. Violência e vulnerabilidade social: prática política e prevenção diante de riscos em saúde In: FARIA, L. Violências e suas configurações Vulnerabilidades, injustiças e desigualdades sociais.1 ed. São Paulo: Hucitec, 2020, v.1, p. 27-48.

FARIA, Lina; SANTOS, Luiz Antônio de Castro; ALVAREZ, Rocio. As sociedades em risco e os múltiplos fatores que fragilizam as relações sociais em tempos de pandemia Revista del CESLA. International Latin American Studies Review, (29), 2022: 11-28.

FARIA, Lina; SANTOS, Luiz Antônio de Castro; ALVAREZ, Rocio. Desigualdades socioeconômicas na América Latina e Caribe: o futuro pós-pandemia para a formação profissional na saúde. Revista História, Ciência, Saúde – Maguinhos, v.30, supl., e2023029, 2023.

FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. A violência contra pessoas negras no Brasil: 2022. São Paulo: FBSP, 2022. Infográfico. Disponível em: https://apidspace.forumseguranca.org.br/server/api/core/bitstreams/74dd3fd7-dfbf-4002-a1ef-c8b5e33b8cff/content.

OXFAM Brasil. Desigualdades S.A, 2024. Disponível em: https://www.oxfam.org.br/forum-economico-de-davos/desigualdade-s-a/.

RACIONAIS MC'S. Beco Sem Saída. São Paulo: Cosa Nostra, 1990. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=1soperbP0Og. Acesso em: 3 ago. 2024.

SILVA, Alexandre. População idosa negra e covid-19: por que invisibilizar e negar direitos?UOL, 2021. https://www.uol.com.br/vivabem/colunas/opiniao/2021/02/01/populacao-idosa-negra-e-covid-19-por-que-invisibilizar-e-negar-direitos.htm.


Como citar este texto:

PIRES, Emanuelle. Uma geografia das desigualdades brasileiras. Site do Laboratório de Práticas em Educação e Saúde - UFSB, 2024. Disponível em: https://laboratoriodepraticasufsb.webnode.page/l/uma-geografia-das-desigualdades-brasileiras/

UFSB - Rodovia BR-367, Zona Rural, Porto Seguro - BA, 45810-000
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